quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Allendeeeeeee!

Allendeeeeeeee!
 Chile,Nossa América


Cronopiando por Koldo Campos Sagaseta.

(Português/Español).

Porque não tem melhor antídoto contra a morte que a memória nem memória mais profunda e prezada que a que se partilha, uma feliz noite, a memória do Chile se fez carne, a carne se fez verbo e habitou entre nós.

Uma feliz noite a memória, depois de muitos anos de rondar os sonhos da infâmia, vestiu as suas mais belas virtudes, calçou suas mais amplas razões, e amparada à luz das sombras, evitou as grades do santuário onde o augusto ruminava a sua solidão e fracasso, se aproximando da mansão.

Uma cúmplice janela que tinha ficado aberta, solidária a tão benemérita causa, propiciou a entrada.

Alheios à sua presença, três guarda-costas cochilavam confiados nos jardins e outros o faziam na sala. A reparadora memória, de mãos dadas com todos os sonhos presos, proibidos, adiados, que seguiam sendo estrelas no céu chileno, alcançou o terceiro andar. Sabia qual era seu quarto porque era o único que continuava iluminado. Desde fazia muitos anos, um onze de setembro, tantos anos como o perseguia a memória para que não voltasse a conciliar o sono, o augusto nunca desligava a luz quando deitava. Temia esses fantasmas do passado que, apesar do tempo transcorrido, nunca tinha conseguido sepultar. Teria sido fácil para o mando do quartel, evadir bancos suíços os bens espoliados, que para a justiça fosse a sua impunidade norma de lei, tinha sido fácil para ele enterrar os ossos de seus crimes, até de dois em dois esclareceu alguma vez tê-los enterrado… mas não tem terra que cubra a memória.

A porta de seu quarto também quis se somar à celebração e, antes que a memória a empurrasse, deu a sua autorização.

O fedor dentro do quarto era insuportável, a inevitável consequência de sua vida e o presságio de um próximo final. Um uniforme de gala cujo peitilho exibia muitas canalhices, pendurado numa cadeira, muito perto da cama em que dormia. A memória, muito lentamente, se aproximou da cabeceira, acercou sua boca ao ouvido do augusto e, então, deslizou tímpano abaixo num longo sussurro a mágica palavra… Allendeeeeeee!

De manhã, o jornal El Mercurio chorava a notícia: “Morre o general Pinochet, enquanto dormia, de um ataque ao coração!

 (Baseado num relato do livro “Diário íntimo de Jack o Estripador” de Koldo Campos Sagaseta, ilustrado por J.Kalvellido).

Tradução: Projeto América Latina Palavra Viva.

11 do 9!

O 11 de setembro na América Latina

Salvador Allende

Publicado em 10/09/2013 por [*] Mário Augusto Jakobskind

O 11 de setembro da América Latina está completando 40 anos. Trata-se de uma data trágica que corresponde ao golpe comandado pelo general Augusto Pinochet que derrubou o Presidente constitucional Salvador Allende. Muito se denunciou sobre a participação dos Estados Unidos comprovada por inúmeros documentos oficiais demonstrando a culpa no cartório do então Secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger.

Nestes dias, documentos da chancelaria do Chile tornados públicos confirmam a participação também do Governo do então ditador de plantão Garrastazu Médici no golpe sangrento. A embaixada brasileira tornou-se inclusive num espaço de apoio aos golpistas. O chefe da representação diplomática, embaixador Câmara Canto, esteve de braços dados com militares que transformaram o Chile numa espécie de sucursal do inferno. Tanto assim que quando se confirmou a vitória dos golpistas, Câmara Canto comemorou com seus asseclas abrindo champagne.

Logo após o golpe, o Governo brasileiro colaborou financeiramente com a ditadura e assim sucessivamente. Mesmo antes do golpe, a ditadura civil militar vigente no Brasil respaldava os chilenos de extrema direita. Documentos tornados públicos no Chile comprovam a participação de brasileiros em apoio a grupos extremistas de direita como o Patria y Libertad.

Matéria do jornal O Estado de S. Paulo informa que em julho de 1973, o Brasil concedeu asilo político a Eduardo Roberto Keymer Aguirre, identificado como integrante do Patria y Libertad. A concessão ocorreu quatro dias depois que os extremistas assassinaram um ajudante de ordens de Allende, o capitão Arturo Araya Peeters.

René Dreifuss
Os vínculos da extrema direita chilena com extremistas brasileiros não se resumiram a este fato. Anos atrás, o cientista político René Dreifuss em seu livro “A Internacional capitalista” revelou que o jornalista Aristóteles Drummond, uma figura nefasta vinculada até hoje a antigos golpistas da pior espécie, fornecia armas para os extremistas do Patria y Libertad.

Há tempos este espaço democrático divulgou a informação veiculada no importante trabalho de pesquisa de René Dreifuss sobre o extremista brasileiro acusado inclusive de responsável pela explosão de uma bomba numa exposição soviética no Rio de Janeiro.

Pois bem, na reportagem do Estadão sobre os documentos divulgados nestes dias no Chile aparece novamente o nome de Aristóteles Drumond como um dos brasileiros que teria transportado recursos para os chilenos que preparavam o golpe contra Salvador Allende.

Aristóteles Drummond
Questionado pelo jornal paulista, Aristóteles Drummond preferiu não assumir diretamente a ajuda fornecida, mas a sua resposta é um reconhecimento da ajuda. Analisem bem o que disse este senhor que todo ano aparece no Clube Militar para comemorar o golpe que levou o Brasil a ingressar numa noite escura de 21 anos.

Eu não levei, mas teria levado. Tenho o sentimento de que os brasileiros amigos do Chile tenham (enviado dinheiro). Sou de classe média, mas, se corresse uma lista aqui para dar US$ 500 (a grupos anti-Allende), eu daria do meu bolso. Acho que o general Pinochet foi decisivo para evitar a criação de uma sucursal de Cuba no Pacífico. Pinochet salvou o Chile, assim como os militares salvaram o Brasil.

Aristóteles Drummond, que chegou a ocupar um cargo de confiança no governo Negrão de Lima na área de habitação, não foi perguntado pelo Estadão sobre a denúncia de René Dreifuss do fornecimento de armas ao gupo Patria y Libertad, mas se em algum momento for perguntado sobre o tema, provavelmente não confirmará integralmente a ação, mas o teor da reposta será nos moldes da que deu ao Estadão.

Tais fatos são importantes de serem conhecidos pela opinião pública e ajudarão também à Comissão da Verdade a concluir seu relatório sobre os trágicos acontecimentos ocorridos no Brasil depois do golpe de estado que derrubou o Presidente constitucional João Goulart.

O caso de Aristóteles Drumond é bastante emblemático e não será nenhuma surpresa se outros documentos a serem tornados públicos apontarem a participação de outros brasileiros que seguiram impunes ao longo do tempo. É também uma demonstração concreta segundo a qual o golpe no Brasil não foi apenas de conotação militar, mas civil também

Por estas e muitas outras não bastam apenas autocríticas de estilo marqueteiro, como fez recentemente O Globo, sobre o golpe de 64. No caso das Organizações Globo, que ao longo dos anos se transformaram numa espécie de diário oficial dos detentores de fato do poder, teria que acontecer um reconhecimento que além do “erro editorial” do apoio ao golpe, o grupo midiático então comandado por Roberto Marinho, como diria Leonel Brizola, engordou na estufa da ditadura.
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[*] Mário Augusto Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE.
Enviado por Direto da Redação

Petrobrás

EUA, a Espionagem e Dilma: um enigma a decifrar     
Escrito por Paulo Metri  
Terça, 10 de Setembro de 2013





No momento atual, as decisões ou colocações de autoridades governamentais, em busca insana de satisfação do grande capital, se atropelam. Começaria lembrando que o ministro Edson Lobão acabou de decretar que o TCU não serve para nada e, portanto, sua decisão não precisa ser ouvida. De longa data, ele não ouve nenhuma reivindicação dos movimentos sociais, como bom representante da oligarquia maranhense.



A diretora Magda Chambriard, entrando na competição com o ministro, declara que a Petrobras não precisa ser beneficiada pela lei 12.351, que a impõe como operadora de todos os blocos do Pré-Sal com 30% de participação. Segundo ela, a Petrobras não tem “o problema número um das empresas de petróleo", ou seja, a dificuldade de acesso às reservas. Esta afirmação pode ter outra interpretação, pois a dificuldade de acesso para a Petrobras significa mais chance para as multinacionais ganharem maiores participações nos blocos.



Especulo que, se Aécio ou Serra ganhassem as eleições de 2014, só para efeito de raciocínio, Lobão e Chambriard poderiam pleitear continuar nos cargos e teriam total apoio das empresas estrangeiras. Mas não devemos cometer, mais uma vez, o erro de demonizar autoridades de baixo escalão, enquanto o mandante fica com a reputação ilesa. Não existe a hipótese de Lobão e Chambriard terem feito o que fizeram sem ter a aprovação da presidente Dilma.



Então, a pergunta certa é por que a presidente Dilma quer leiloar Libra a qualquer custo? O leilão é desinteressante para a sociedade brasileira, mas há uma razão para a presidente cancelar este leilão sem nenhuma análise adicional. Ela própria, a Petrobras e o Brasil foram espionados pelos Estados Unidos, para que, dentre outras razões, empresas norte-americanas ganhassem concorrências no Brasil, o que atinge cada brasileiro. Trata-se de um desrespeito só imaginado para nações inimigas em tempo de guerra.



A cientista social Ana Esther Ceceña, do Instituto de Investigaciones Económicas do México, em trabalho para o II Fórum Social Mundial, afirma que: “após pesquisar em documentos do ‘Department of Defense’ (DoD) americano, os interesses vitais dos Estados Unidos, em torno dos quais se organiza toda a atividade deste Departamento, compreendem: (1) proteger a soberania, o território e a população dos Estados Unidos; (2) evitar a emergência de hegemones ou coalizões regionais hostis; ...”.



Acredito que a ação de bisbilhotar dos norte-americanos visava também “evitar a emergência de hegemones”, no caso, de um hegemone ainda prematuro. Mas tenho a tese de que os próprios brasileiros estão desrespeitando o Brasil, porque não estão deixando claro para a governante brasileira que não gostaram das medidas protocolares tomadas. Eram necessárias medidas sérias, como suspender todos os leilões em que as empresas americanas estejam interessadas, reestatizar a Embratel, apressar o lançamento do satélite brasileiro e outras. Somos cidadãos de bem ou somos capachos subalternos? Formamos ou não formamos uma Nação? Se não agirmos com respeito a nós mesmos, não teremos condição de exigir que os Estados Unidos nos respeitem. E, sem respeito próprio, eles não irão nunca nos respeitar.



Isto tudo é óbvio. A presidente sabe de tudo e não fez o esperado, na minha visão. A grande pergunta é: por que? Você pode responder a esta pergunta, participando do jogo “Tentando decifrar Dilma”. Para tal, basta votar em uma das três hipóteses de reação da presidente aos acontecimentos recentes. Ou criar mais uma reação ainda não identificada.



Hipótese 1 – Para o bem estar social do brasileiro, não é tão importante entrar neste jogo de confronto. A questão da soberania é primordial, mas o mundo hoje é um barril de pólvora. Quando milhares morrem diariamente no Oriente Médio, vamos trazer para nós a discórdia e o confronto? O Brasil é um país de tradição não bélica. Não podemos tomar medidas drásticas contra os Estados Unidos, pois, afinal de contas, em que isto nos ajudaria neste momento? Vamos dar um crédito de confiança e esperar um pedido formal de desculpas. Tenho a garantia do presidente Obama de que ele cuidará pessoalmente de saber o que aconteceu e nos comunicará o resultado das averiguações. O importante é que a taxa de desemprego está baixa, a inflação está controlada, o câmbio, que andou assustando, voltou à normalidade, e os fundamentos macroeconômicos estão firmes. O PAC está caminhando. Os investimentos em infraestrutura ocorrerão com as concessões previstas. Isto criará um ambiente de negócios positivo no país. Também, as instituições democráticas estão funcionando, apesar de alguns percalços existirem.



Hipótese 2 – Este caso da espionagem dos Estados Unidos é seriíssimo e incompreensível. No entanto, sou uma governante responsável por 200 milhões de pessoas e não posso ter reações emocionais. Nossa correlação de forças, principalmente a militar, sugere reserva não amistosa. Entretanto, propostas surgidas, como o cancelamento do leilão de Libra e da compra de caças junto à empresa norte-americana, devem ser tomadas, até porque as concorrências foram contaminadas. Este ato norte-americano servirá para repensarmos toda nossa segurança e soberania nacional, e o posicionamento futuro no xadrez geopolítico mundial. É irrelevante um pedido formal de desculpas, até porque o ato é indesculpável. Enfim, repercussões no curto prazo serão só a suspensão das concorrências corrompidas. No médio prazo, devemos ter uma atuação mais soberana, buscando alianças de interesse para a nossa sociedade.



Hipótese 3 – O Brasil é um aliado estratégico dos Estados Unidos. O ocorrido não é o suficiente para arroubos nacionalistas, que irão comprometer a aliança histórica com nosso vizinho do norte. É claro que os Estados Unidos, visados como são, precisam se precaver, buscando se antecipar a ações terroristas. Vamos suplantar este momento de dificuldade, que é a coisa mais inteligente que se pode fazer. Recebi a informação do presidente Obama que houve excesso do pessoal de segurança deles e isto, em hipótese alguma, acontecerá de novo com o Brasil. Ele reconheceu que foi criado um sistema que fugiu ao controle do próprio presidente dos Estados Unidos. Ou seja, considero esta declaração como um pedido formal de desculpas. É bom lembrar que pedidos formais de desculpas são difíceis para qualquer país do mundo fazer. Não vou cancelar nenhum leilão ou compra internacional programada. Nossas empresas estão juntas em diversos empreendimentos, aliás, a contribuição das empresas deste país para nosso desenvolvimento é inegável. E precisamos continuar crescendo, sem abrir mão de qualquer contribuição, ainda mais sendo ela decisiva.



Paulo Metri, engenheiro, é conselheiro do Clube de Engenharia

Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br/
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Última atualização em Terça, 10 de Setembro de 2013

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Pré-Sal


A CIA, o pré-sal e o sonho de Darcy Ribeiro



Egressa do trabalhismo, a presidenta Dilma Rousseff certamente não citou a frase do ex-reitor de Harvard, Dereck Bok, nesta 2ª feira, sem associá-la intimamente à memória de um parceiro de filiação.

‘Caro é a ignorância’, disse Dilma ao sancionar a lei que destina 75% da receita do Fundo do Pré-sal para a escola brasileira e 25% para a saúde pública.

Era exatamente assim que o educador, antropólogo, agitador e brizolista, Darcy Ribeiro (1922-1997), fuzilava o conservadorismo quando contestado em seus planos para a escola pública brasileira.

A carpintaria das rupturas foi uma especialidade desse mineiro que em 1961 ajudaria a fundar o Parque Nacional do Xingu, ao lado dos irmãos Villas Boas.

Sem elas, o país, no seu entender, não sairia do conformismo incremental diante do miserê a que fora condenado pelas elites.

A estupefação conservadora manifestou-se inconsolável diante do seu projeto de ruptura mais querido:a escola de tempo integral, os Cieps, ou Brizolões, que marcariam os dois governos de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (83/87 e 91/94).

Antes que fosse arrebatada pelos interesses conservadores e conceituada no Banco Mundial como ferramenta de acomodação a frio dos conflitos sociais, a educação era vista assim pela geração de Darcy.

Como um espaço por excelência de ruptura com a miséria intergeracional

A paixão sanguíneo desse brasileiro pela construção de um povo que o fascinava levou-o, também, a conceber uma universidade inovadora para suprir essa finalidade.

Reinventar a educação superior e formar uma geração engajada na transformação das estruturas brasileiras foi a base de seu projeto para a UnB, a Universidade de Brasília.

O que não faria hoje Darcy diante dos desafios à universidade revelados pelo ‘Mais Médicos’?

Estar sempre bem acompanhado era um de seus trunfos. Na criação da UnB, o recheio pedagógico coube ao grande educador Anísio Teixeira; a viga estética, a Niemeyer.

Fundada em 1962, a universidade de Brasília teria em Darcy seu primeiro Reitor; cargo que deixou para assumir a Casa Civil do governo Goulart até o golpe de 64, quando foi cassado e se exilou no Uruguai.

No retorno ao país, sobretudo a partir de anistia , em 1980, apostou toda a energia na educação como espaço retificador da desigualdade histórico-metabólica entranhada na vida da sociedade.

Nos Brizolões, com aulas das 8 às 17 horas, os alunos faziam três refeições completas, dispunham de atendimento médico e odontológico.

Além do currículo regular, Darcy comprovaria a cepa de visionário acrescentando à grade uma inovadora sessão de tele-educação.

Com programação marcada pela pluralidade destinava-se a desenvolver nas crianças o senso crítico em relação à mídia, desde os primeiros anos escolares.

Enxergava longe o moço.

Contagiado pelo amigo, Brizola chegou a comprometer 50% da receita estadual ao sonho da educação emancipadora, que seus sucessores desmontariam.

Em primeiro lugar, por razões ideológicas nunca admitidas; secundariamente, pelo custo, demonizado, e de fato robusto.

Trintas anos, intercalados por uma década de neoliberalismo, separam os dois momentos. Intervalo suficiente para condenar ao ocaso uma geração inteira acossada pela violência, o tráfico, a semi-informação e a semi-afabetização.

Na sanção do Fundo do Pré-Sal, nesta 2ª feira, a Presidenta Dilma sublinhou a esperança de que o país possa caminhar agora, mais depressa, para implantar escolas de tempo integral.

Poderia ter dito, “aquilo que Darcy e Brizola chamavam de ‘os pais sociais’ da infância pobre”.

Quis o destino que o hiato entre esse sonho e a realidade da educação pública entre nós, viesse a ser calafetado agora por uma fonte de receita originária da mesma recusa em aceitar, como destino, o projeto conservador de um Brasil pequeno.

A regulação do pré-sal, em 2009, combatida pela conjunção de interesses internos e externos que Darcy conheceu, assim como Vargas enfrentou, respondeu ao fatalismo com o repto da lógica que criou a Petrobrás em 1953.

Normas soberanas, a contrapelo da lógica dos ‘livre mercados’ (leia-se, petroleiras internacionais), internalizam os encadeamentos da exploração dessa riqueza.

Entre elas, o regime de partilha, que destina à União 50% do óleo extraído; a alavanca industrializante a cargo dos índices de nacionalização de equipamentos; o programa de refinarias para exportação de valor agregado e não óleo bruto; a presença cativa da Petrobrás, operadora única dos campos, com no mínimo 30% de participação na exploração de cada poço; a elevação dos royalties pagos por barril, dos 10% atuais para 15%.

Mas, sobretudo, um diferencial de recorte político marca o divisor atual em relação ao nacionalismo dos anos 50: a criação do Fundo Social bilionário.

Sua receita cativa destina-se, predominantemente, à regeneração da esfera pública na qual, de forma mais bruta e desconcertante, calcificou-se a usina de reprodução do apartheid brasileiro entre nós: a escola republicana, teoricamente destinada a exercer o efeito inverso.

Acerca-se assim, organicamente, o interesse nacional e social de uma riqueza estimada entre 60 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo: as maiores jazidas descobertas no século XXI.

Que, não por acaso, sabe-se agora, constituem o foco central da espionagem da CIA no país.

Não se trata de uma ficção, mas de recursos estratégicos e volume bilionário.

Para entender a pressão beligerante montada ao longo dessa nova fronteira econômica e geopolítica, basta reler os famoso despachos de dezembro de 2009 da embaixada norte-americana no Brasil.

Revelados pelo “WikiLeaks”, os telegramas elucidam as consequências, caso as urnas de 2010 tivessem dado a vitória ao tucano José Serra.

Segue-se a frase conhecida dita pelo próprio:

“Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato no telegrama. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu: “Vocês vão e voltam” (trechos da matéria da Folha de S. Paulo, de 13/12/2010, intitulada ‘Petroleiras foram contra novas regras para pré-sal’).

O fracasso da Petrobrás e do pré-sal, portanto, conta com a torcida de uma teia organizada de interesses que inclui do PSDB, às petroleiras, passando pela CIA e a Casa Branca do beligerante cool, Barack Obama.

A cerimônia da 2ª feira afronta as profundezas desse cerco.

Ela vincula aspirações sociais seculares ao controle de uma riqueza ímpar na trajetória do país.

Agrega viabilidade política e orçamentária às diretrizes e plataformas de uma escola pública sonhada por gerações inteiras de brasileiros visionários.

Gente como Darcy Ribeiro que nunca aceitou reduzir a educação a um adestramento rudimentar para o mercado. Que lutou por uma universidade engajada na construção de um desenvolvimento independente e solidário.

Seu sonho agora ter o dinheiro que lhe faltou.

Resta saber quem irá sonhá-lo.

A ver.

Postado por Saul Leblon às 06:55
(Carta Maior)